segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Jornalismo do “se”


Vez por outra, quando tenho oportunidade, converso com colegas mais novos que trabalham comigo sobre meu descontentamento com o chamado jornalismo moderno, chegando a afirmar que se tivesse de iniciar hoje uma atividade profissional provavelmente seria outra, sabe Deus qual. Mas confesso que dificilmente faria isso, pois como se comenta nas redações de jornais, jornalismo é uma “cachaça”, um vício miserável para quem já provou e um veneno a ser apreciado por quem tem a profissão nas veias.
Sou do tempo em que, pelos menos a maioria dos repórteres (já existiam alguns menos comprometidos com a ética e a seriedade do nosso trabalho) preferia deixar de publicar matéria se não tivesse devidamente comprovada importante informação ou denúncia, por mais que parecesse lógica e óbvia, principalmente quando se tratava de questões delicadas que pudessem causar pânico, especial se produzida na discriminada reportagem policial, área a que me dediquei (e ainda me dedico mesmo afastado de redações) há quase 25 anos.
Mas, voltando a meu descontentamento, fico triste quando vejo matérias publicadas sem o devido cuidado do repórter e principalmente daqueles colegas mais experientes, que têm a missão de coordenar o trabalho.  Outro dia, o colega e amigo Alexandre Lyrio, um dos melhores repórteres do Correio, me telefonou para fazer um desabafo. “Li em matéria de outro jornal que ‘os bandidos empreenderam fuga’. Se esse repórter tivesse trabalhado na sua equipe não escreveria isso e simplesmente que fugiu”.
Eu afirmaria que se tivesse trabalhado com Jaciara Santos, Pérola ou Mara Campos (independentemente dos jornais por onde passaram), entre outros colegas que ajudaram na formação de dezenas de profissionais, o autor do texto em questão escreveria de forma mais clara e objetiva. Pior é escrever e deixar publicar coisas do tipo “dois homens a bordo de uma moto” e “veio a óbito”, termos comuns em ocorrências policiais costumeiramente reproduzidos em matérias, além de tantas outras expressões abomináveis.
 Para aumentar minha angústia com os rumos da profissão, li matéria no Correio sobre um estudo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), batizado como “Estudo Global de Homicídios 2011. O título era o seguinte: “Salvador, 3º lugar do mundo em homicídios”. No apoio é dito que “se  fosse um país, cidade só ficaria atrás de Honduras e EL Salvador. Surpreso, me imaginei ultrapassado, desconhecendo aquela técnica, provavelmente moderna, que poderia ser chamada de o “jornalismo do se”, diferente do que aprendi. Pelo menos antigamente, trabalhávamos com fatos concretos, informações precisas. Cansei de ouvir de colegas mais experientes, quando estava iniciando em jornal, que repórteres que deduzem ou especulam são “um perigo”.
Diria que mais perigoso ainda é a publicação de informações ou estatísticas sem nenhum fundamento ou critério. Comparar a violência de uma cidade à de um ou mais países é completamente insano.
Se fosse tão simples poderíamos também afirmar, por exemplo, que se o time do Barcelona, do fantástico Messi, fosse uma seleção, seria a melhor do mundo? Poderíamos supor que o Brasil não teria tantos políticos corruptos se, em sua origem, não tivesse sido invadido por mercenários, bandidos de toda a ordem e comerciantes inescrupulosos de países como Portugal e Espanha? De acordo com um dito popular, “Se é pior do que lepra”.
Garanto que a intenção não é de desmerecer o Correio, pois tive a honra de trabalhar lá, onde possuo inúmeros amigos e colegas que admiro e respeito. O que desejo é apenas fazer um alerta para que não percamos cada vez mais credibilidade e esqueçamos dos fundamentos básicos da nossa profissão: ética e compromisso com a verdade. Já nos bastam os veículos “modernosos” (ainda bem que não são todos), a chamada mídia eletrônica, composta por alguns sites e blogs preocupados apenas com a velocidade da informação, seja ela verdadeira ou não, e em fazer sensacionalismo.
Finalizando, também faço questão de destacar aos colegas mais novos que têm a árdua missão de me aturar no dia-a-dia, que hoje estou assessor de comunicação, mas no peito bate um coração de verdadeiro repórter de polícia.

14 comentários:

  1. Erival, tenho essa mesma sensação quando vejo algumas pérolas escritas pelos novos coleguinhas. Compartilho com você este sentimento de desalento. Também faço jornalismo das antigas. Parabéns pelo saque!

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  2. Parabéns mesmo, Erival! Vida longa ao blog. Concordo inclusive com os elogios a Alexandre Lyrio (prova de que tem muita gente boa e atenta ao bom jornalismo na nova safra), Jaciara, Mara, Perla... Beijos

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  3. Opa, opa, opa! Amei o texto, mas tenho uma ressalva. Qual a parcela de responsabilidade dos atuais editores que permitem a publicação do que você chamou de "Expressões abomináveis"? De que maneira os "novos coleguinhas" vão aprender? Como você sabe eu nunca trabalhei em redação, mas sei que nenhuma página de jornal é publicada sem a correção e análise do que está escrito, coerência, coesão e tudo aquilo o que aprendemos na Facom. Será que a culpa é só do repórter? Lembre-se de que nem todos têm um Erival gritando no ouvido, torrando a paciência e realizando uma lobotomia diária, que exclui do vocabulário dos repórteres da Ascom da SSP, termos e expressões como vulgo, empreender fuga, evadir-se, vir a óbito, e por aí vai...

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  4. Não disse que a responsabilidade é só do repórter. Falo também da responsabilidade dos editores, que coordenam o trabalho. Eles, pelo menos, devem ter o discernimento necessário para saber que ninguém pode estar a bordo de uma moto. Você pode estar a bordo de um avião, de um navio, até de um carro, mas de uma moto? Os jornais também são responsáveis, pois acabaram com a figura do Editor de Polícia, a principal referência para os repórteres, como também dos repórteres mais antigos na área. Pergunte, por exemplo, numa redação, qual a diferença entre um inquérito e um processo. Garanto que poucos saberão responder. Ou então o que é um termo circunstanciado? É capaz de somente os remanescentes de uma verdadeira equipe de polícia saberem responder.

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  5. Concordo plenamente com você. Jornalista em qualquer situação tem que ser fiel aos fatos.Você sempre foi um repórter ético, cuidadoso e muito preocupado com o que seria publicado. Repórter não pode fazer conjecturas.Infelizmente os mais jovens acham que são os donos da verdade, mas a vida é um eterno aprendizado.Parabéns pelo blog e desejo muito sucesso nessa sua nova empreitada.

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  6. Também concordo com a sua opinião Eri. Sou suspeito pra falar de como é trabalhar contigo, por causa da nossa proximidade, mas agradeço, como já disse em outros momentos durantes as nossas conversas, o quanto é importante para a minha "formação prática" de jornalismo trabalhar ao seu lado e também de Antônio Matos. Espero outras publicações, inclusive alguma fazendo referência ao jornalismo na WEB. Essa discussão vai pegar fogo. Abraços!

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  7. Concordo inteiramente com você, Pérola. Só acrescento que nós temos que ter exemplos a seguir, pessoas que nos direcione. O pouco que sei hoje sobre como escrever um texto, principalmente sobre polícia, não aprendi na faculdade e sim com meu chefinho estressado e perfeccionista.

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  8. É o nosso "new jornalism" local, mostrando, como o "axé music", para que veio. Na tradução, é o mesmo "Que SE dane".

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  9. Se tivéssemos um jornalismo diferente...

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Dificilmente Erival teria outra profissão, pois acredito que ele nasceu com o dom da justiça e com o compromisso de informar a verdade, por mais que dolorosa ela seja. Tentou por outros meios, quando iniciou uma faculdade de direito, mas em comunicação que se encontrou. Cansei de ver meu pai olhando fotos de casos, correndo riscos ao denunciar o jogo do bicho, sendo um dos poucos jornalistas chamado no presídio a conversar com bandidos, pois até eles sabiam que daquele diálogo sairia apenas o que foi dito. Sinto muito orgulho desse jornalista com quase 25 anos de respeito, coragem, amor e talento nessa caminhada e tenho certeza que ainda teremos muitas surpresas vindas desse mais novo blogueiro do “jornalismo das antigas”, que poderia ser chamado também “jornalismo de verdade”.

    Obrigada por existir em nossas vidas, por ser esse profissional tão maravilhoso e esse pai excepcional. Te amo!

    Sheila Guimarães

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  12. Paparicação de filha não vale. Beijos, Sheu

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  13. Amigo Erival, concordo com você, alcancei um pouco desse “jornalismo responsável”, a tempo você já era um combatente da perfeição nos textos por parte de seus repórteres. Hoje, vivemos em tempos de jornalismo-negócio.

    Israel Santos
    Grande abraço

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