sexta-feira, 21 de outubro de 2011

'Causos' de Polícia 2

Um homem sem alma
 
Era início do turno vespertino quando cheguei à redação de A Tarde para mais uma jornada de trabalho, longe de imaginar que naquele dia viveria emoção incomum, mesmo estando acostumado a fortes sentimentos, lidando com o sofrimento alheio, a dor e inúmeros casos de morte, na difícil rotina de repórter policial. Quando me preparava para sair do jornal à caça de notícias, um contínuo me avisou que um homem me aguardava na antessala da antiga Redação, que se localizava em frente ao arquivo, onde trabalhavam os amigos Renato, Waldir e o jovem Cristovaldo, este companheiro de babas que morreu precocemente.
Saí para averiguar do que se tratava e me deparei com um homem de olhar profundamente triste, evidenciando que carregava dor insuportável. Era Teófanes de Azevedo Farias, pai do jovem Teófanes Melo Farias, assassinado aos 20 anos de idade, dentro do Silver Shopping, no Imbuí, de forma fria e brutal, com um tiro no rosto, à queima-roupa (pasmem!), disparado por um major do Exército Brasileiro.
Naquele dia, militares foram ao shopping comemorar o aniversário de um deles, tendo cruzado com a vítima e alguns amigos, inclusive duas adolescentes, próximo à escadaria daquele centro comercial, quando o major proferiu gracejos às meninas. Indignados, os rapazes que as acompanhavam resolveram tirar satisfações e o clima ficou tenso. Mais comedido, Teófanes resolveu acalmar os ânimos. Sua atitude teria sido, entretanto, mal interpretada pelo major, que pediu a pistola de um sargento que estava com os oficiais e a disparou contra ele sem pensar duas vezes.
“Seu” Teófanes foi me procurar seguindo sugestão da jornalista Lívia Calmon, na época repórter da TV Bahia, que presenciou uma das audiências do Conselho Federal de Justiça designado para apurar o crime. Formava o júri cinco (se não me engano) oficiais militares de alto escalão e o juiz Rogério de Castro e Azambuja, que presidia os trabalhos, realizados na 6ª Circunscrição Judiciária Militar, onde os acusados eram lotados, situada na Avenida Paralela.
“Ela disse que você gostava de apurar esses casos e que poderia me ajudar”, me falou aquele homem que parecia sem alma, tamanha angústia, numa tentativa desesperada de conquistar um aliado em sua jornada por justiça, o que poderia lhe proporcionar, ao menos, um pequeno consolo.
Em seguida, me contou que, durante as audiências, os militares sorriam debochadamente e fitavam as testemunhas e demais presentes com ar intimidador. Esperava que eu pudesse fazer matérias contundentes, com a esperança de sensibilizar os jurados e obter punição para os acusados.
Prometi ajudá-lo desde que o colega de A Tarde que acompanhava o caso, Clécio Max, não se incomodasse em me “passar a bola”, o que acabou acontecendo. O primeiro passo foi me credenciar para cobrir a próxima audiência, para onde segui com o fotógrafo Geraldo Ataíde. Antes, porém, o orientei a registrar todas as emoções dos militares a serem ouvidos, clicando freneticamente sua câmera.
E assim ele fez nas últimas audiências, provocando irritação aos acusados toda vez que debochavam ou quando fitavam os presentes à oitiva. Enquanto isso, um soldado me acompanhava bem de perto, tentando me intimidar de forma acintosa.
Durante os trabalhos percebi que faltavam depoimentos mais firmes por partes das testemunhas e convenci um casal de amigos da vítima a depor, mesmo contrariando orientação dos pais, que os proibiram de envolvimento no caso. Depois de muita argumentação, inclusive de que a vítima poderia ter sido um deles, os jovens resolveram contar tudo que viram, deixando claro que se tratou de um crime covarde.
Mesmo assim não me dei por satisfeito, por não acreditar na imparcialidade dos jurados, quase todos colegas dos criminosos. Resolvi ter uma conversa olho no olho com Azambuja, o jovem juiz federal que presidia o inquérito. Para minha surpresa, ele me revelou a disposição de condenar  todos.
E não deu outra! O major assassino foi condenado a alguns anos de prisão, enquanto os demais oficiais acabaram reformados. Não tenho idéia do sentimento que o resultado do julgamento provocou em “Seu” Teófanes, pois nunca mais estive com ele. Eu o vi pela última vez, de longe, no final do julgamento, quando, cabisbaixo, deixava aquela Circunscrição Judiciária Militar. Como pai, imagino que hoje, se vivo estiver, mesmo aliviado pela força do tempo, ainda carrega no peito a dor da perda do filho.

17 comentários:

  1. Eri, meu querido, bom ter notícias suas e o melhor, em forma de boas histórias sobre jornalismo!!! Saudades e grande abraço, Najara

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  2. Estamos chegando à marca das 1.500 visitas em nosso blog e para registrar esse momento aproveito para homenagear Milena Marques, um das minhas companheiras de trabalho na Assessoria da SSP, que fez mais um aniversário ontem (dia 21) e foi quem sugeriu o nome jornalismodasantigas. Achei genial e promovi o batismo imediatamente. Beijos Mila.
    22 de outubro de 2011 09:00

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  3. Obrigadaaa meu chefinho! Isso aqui é resultado do grande profissional que vc é. Eu só dei uma mãozinha, e darei quantas vezes for preciso, porque vou cansar de dizer, que é com muito orgulho e prazer que faço parte dessa equipe...um aprendizado diário. Lembro o primeiro dia que te conheci, na entrevista, quando vc me perguntou se eu realmente gostava dessa área, se já havia trabalhado com isso, naquela hora eu estava realmente arriscando, mas, hoje eu tenho exata certeza do que eu quero, hoje eu respiro e vivo políciiiiiia, sangueeee, ladrão(rsrsrs)....e como eu tive a sorte grande, de poder ter você como meu chefinho estressadinho, um grande crítico da "nova mídia", e como sou FELIZ por ter você aqui, na web, um jornalista totalmente avesso ao novo que a web nos oferece....agora vc pode perceber que sabendo usar, é o caminho fantástico. Parabéns à você Erival, a sua história no jornalismo.

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  4. Desde minha época de faculdade que pesquisa sobre jornalismo policial e encontrei algumas histórias sobre Erival na internet. Ficava encantada com as histórias que envolviam denúncias, traficantes, policiais dentre outras coisas. Nunca imaginei que um dia fosse conhecer esse grande íncone do jornalismo baiano... Grande Eriva, mestre dos mestres...sucesso em sua carreira e no seu blog que gosto muito de ler as hostórias. Acho que vc deveria lançar um livro sobre sua experiência como repórter de polícia......vai ser um sucesso.....grande abraço.

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  5. Você não trabalhou diretamente comigo, mas sempre fez parte do meu time do coração. Portanto, é suspeita. Já vi seu blog e gostei muito. Um abraço.

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  6. Olá Erival, parabéns pelo post. Eu acompanhei esse processo no início da década de 90. Lembro da tensão que rondou o caso, principalmente por se tratar de réus militares. Fico feliz que tenha mencionado Dr. Rogério de Castro e Azambuja como juiz firme, dedicado e, acima de tudo, honesto, que enfrentou situações bastante difíceis naquele julgamento. Que sempre vença a Justiça!
    Um abraço, Cláudio

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    1. Que bom que você gostou Cláudio. Ainda bem que existem pessoas como o juiz Azambuja. um abraço.

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    2. Sim, Erival, ainda bem. Fui muito amigo do Rogério e foi interessante ver esse post depois de tanto tempo e com menções a ele. Nem me recordo como tive acesso ao seu blog. Rogério faleceu há muitos anos, mas fez um excelente trabalho por aqui. Abraço

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  7. Amigo Erival Guimarães, casualmente entrei no seu blog e tive a grata oportunidade de ler esta sua reportagem. Lembro-me muito bem de você e ainda tenho guardado as suas reportagens. Quero deixar registrado meus agradecimentos pelo profissionalismo e seriedade que você cuidou do caso. Tenho a certeza que sem o seu acompanhamento, o da Lívia Calmon e tantos outros jornalistas que não citarei o nome para não cometer injustiça por algum esquecimento, como também do trabalho do juiz Rogério de Castro Azambuja, já falecido, a justiça não teria prevalecido.
    Estou vivo sim e como você registrou ainda carrego no peito a dor da perda do meu filho.
    Abraços,
    Teofanes de Azevedo Farias

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  8. Caro Teofanes,
    Fiquei surpreso e satisfeito de reencontrá-lo através do meu blog, depois de tantos anos, pois estava curioso com relação a sua opinião sobre esse relato. O episódio foi um dos que realmente marcaram minha vida profissional. Nunca esqueci a dor que emanava dos seus olhos e sua obstinação para punir os culpados. Um grande abraço e fique com Deus.

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  9. Olá, chefe

    sempre costumo dizer a estudantes de jornalismo e a jornalistas que estão entrando agora na profissão que não pensem em ficar ricos com o jornalismo. Jornalista rico, com certeza, deixou há muito de ser jornalista para se tornar comerciante de notícias. Mas, após o primeiro impacto que colocações como essa provocam, também costumo dizer que a gratificação que o jornalismo sério proporciona não tem preço. Tenho certeza, chefe, que obter esse feedback do Sr. Teófanes, depois de tanto tempo, deve ter um valor incalculável para você. E isso, certamente, não tem dinheiro que pague. Parabéns!

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Oi Jaci. Digo a mesma coisa quando encontro com estudantes de jornalismo. Recentemente estive com uma turma da Facom, do Projeto Jornalismo de Futuro, quando, coincidentemente, falei desse caso do Sr. Teofánes, como exemplo de situações onde podemos ajudar a fazer Justiça. Mas, nem imaginava que dias depois ele me mandaria uma mensagem, depois de tantos anos. É realmente gratificante. E, como sei que seguimos a mesma cartinha, resolvi dividir esse sentimento com você. Beijo, Chefa.

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  12. É meu pai, em um certo momento de nossas vidas você escreveu cartas para cada um de seus filhos, e eu não esqueço dos dizeres da minha, você destacou meu senso de justiça e de quem mesmo eu puxei? Rsrs!!! O blog já diz tudo...E ainda escreveu que era meu fã número 1, eu que tenho o maior orgulho de ser seu filho, não esqueça nunca disso... Concerteza neste caso você se colocou no lugar deste pai, é esse tipo de virtude que falta em muitos. Meu pai, continue com esse coração grande, cheio de “calos” como os que se formam em mãos, mas também cheio de ternura, Eu que sou seu fã número 1. Parabéns pelo blog, ah! ouvir dizer que amanhã é o dia do Homem, sei que você não se prende a essas datas, mas gostaria de aproveitar para dizer que Homem como você é raridade, Valeu pelo exemplo.
    Te amo!
    Hugo Freire Guimarães

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  13. Bom dia!!!

    Voce acredita que este major assassino hoje esta presente em varias faculdades de salvador???
    O que me assusta é que uma pessoa com esse passado,expulso das forças armadas,hoje esta muito bem de vida, donos de algumas faculdades e se apresenta formado em varios cursos e faculdades, estranho viu.sempre achei estranho essa guinada de vida,,e agora ao descobrir seu passado fico mais assustado ainda.

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