terça-feira, 8 de abril de 2014

O ‘velho’ Zeca



Idos dos anos 90, provavelmente em meados de 1992. Estava na redação de A Tarde, preparando-me para mais um dia na reportagem policial, quando um dos office-boys me chamou para atender a uma ligação telefônica:

- Diga aí, veio. Seo Castor mandou perguntar quanto você quer para parar de escrever sobre o jogo do bicho. A proposta veio de um agente da Polícia Civil, que, tempos depois, viria a se afastar da instituição.

Fiquei surpreso com a conversa feita sem rodeios, respirei e respondi: “Cara, eu não faço esse jogo não”.

- Poxa, eu sabia. Disse que você não iria aceitar, mas ele insistiu, afirmando que tinha um bocado de jornalistas na mão e que ainda pretendia lhe convidar para passar uns tempos no Rio com tudo pago, acrescentou desapontado.

Pouco tempo depois, dormia na casa que estava construindo, na Travessa da Glória, Rua Barão de Macaúbas, bairro do Barbalho, quando percebi alguém se aproximando, chamando-me nervosamente: “Val, Val...”
Apesar de assustado, reconheci a voz de Zeca, meu vizinho e apontador do jogo de bicho, hoje falecido, e me acalmei. Tranquilizei minha mulher, que também despertara assustada e, após abrir a portilhola da porta principal da casa, perguntei: “O que foi, Zeca?”.

- Caía fora, Val, tem um cara do bicho perguntando sobre você aqui na rua. Ele esteve na minha banca e tem dois dias que fica ali no bar de Seo Loro.

Companheiro de baba (um razoável lateral direito), principalmente no campo do Pela Porco –  localizado nas redondezas do Barbalho, numa área hoje completamente tomada por uma invasão – morava na rua principal, onde explorava uma banquinha da contravenção.
Além de parceiro de juventude, anos depois, tornou-se meu leitor, especialmente das matérias sobre a máfia do bicho, assunto que conhecia por conviver no meio do jogo. Sempre que nos encontrávamos, trocávamos ideias sobre o tema e, de vez em quando, dava-me boas informações.
No dia seguinte, logo cedo, entrei em contato com um delegado de minha confiança e relatei o ocorrido, tendo ele se prontificado a interceder caso necessário. Também acionei dois amigos de “rocha” para que ficassem de plantão no bairro a fim de proteger minha família (Na época, além de mulher e filhos, minha mãe e uma irmã moravam na mesma rua, em outra casa).
Fui para o jornal e telefonei para um segurança da sede da Paratodos, que também me conhecia de babas. Pedi que intermediasse um contado com algum banqueiro do bicho e isso foi feito. Cerca de 20 minutos depois, recebia um telefonema do contraventor que entrevistara há pouco tempo, com exclusividade, dentro da fortaleza da Paratodos, localizada na Avenida Octávio Mangabeira, trecho de Pituaçu.
A princípio, tentou negar o fato, no entanto, numa nova ligação, confirmou a história, afirmando que a pessoa em questão tinha sido enviada por bicheiros cariocas (máfia do bicho) e não por banqueiros baianos, garantindo que o seu retorno ao
Rio já tinha sido providenciado.

Naquela madrugada, a amizade construída nos bons tempos de baba, pode ter salvo minha vida. Um grande abraço Zeca, que Deus te ilumine onde estiver.




quinta-feira, 16 de maio de 2013

Sensacionalismo ou desinformação?

É surpreende a irresponsabilidade de alguns veículos de comunicação e principalmente de muitos coleguinhas no que diz respeito a matérias sobre estupro. Pode ser também por conta da desinformação desses profissionais. Eles ignoram completamente que desde 2009 a lei sobre estupro mudou, que deixou de ser considerado apenas quando há penetração. Hoje, num simples ato de passar a mão numa mulher, se houver conotação sexual, como em outras situações semelhantes, se caracteriza estupro. Obviamente que isso provocou um salto no número de casos, mas os coleguinhas não destacam isso. Simplesmente alardeam o aumento sem informar e explicar essa situação como manda o bom jornalismo. Infelizmente predominam hoje a ignorância e o sensacionalismo. Pena!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Anedotário de polícia

           
 Burro não identificado

       
 Eu era o chefe do Copy-Desk da Tribuna, o que na Carteira Profissional era o pomposo nome de Editor de Texto. Era início dos anos 70, quando se datilografava em laudas timbradas com o nome do jornal e com espaços para o repórter colocar o seu nome, o assunto e a data.
Um burro foi atropelado e morto na Avenida Barros Reis. O repórter anotou a ocorrência, mas não se sabia quem era o dono do burro. Aí ele disparou na matéria: “Um burro até agora não identificado foi atropelado e morto ontem...”.
A matéria chegou até as mãos do redator-chefe, Quintino de Carvalho, que sempre tinha à mão um pincel atômico vermelho. Não deu outra: fez um círculo em torno da expressão “burro não identificado” e puxou uma seta até o espaço da lauda onde tinha o nome do repórter. E anotou: “Ainda não?”

    Chico Ribeiro Neto (ex-repórter e ex-editor de Texto da Tribuna da Bahia)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A era dos inquisidores III

Acho oportunas as medidas adotadas contra a “repórter” da Band, mas não podemos esperar que uma situação isolada possa moralizar todos os programas sensacionalistas que infestam as telinhas. É preciso que o Ministério Público adote providências também contra outros “repórteres” e emissoras, que há muito mais tempo agem de forma abusiva e desrespeitosa, inclusive, servindo de exemplo (mau exemplo) para novos profissionais.
É importante lembrar que os “repórteres” em questão atuam assim porque atendem orientação dos responsáveis dos programas e das empresas onde trabalham. Essas pessoas, inclusive os apresentadores, são os maiores culpados pelo triste quadro que se apresenta hoje, até porque ganham muito mais do que os incautos entrevistadores. Além disso, as emissoras não estão preocupadas com o nível dos programas e sim em manter o alto índice de audiência.
Na outra ponta do problema, a polícia também deve ser instada pelo Ministério Público para evitar que delegacias sejam utilizadas como picadeiro. Se os delegados que permitem essa palhaçada fossem punidos, a situação não teria chegado a tal ponto. É bom lembrar, que isso não é novo, pois já tivemos delegado eleito para cargo político exatamente por fazer a vontade de veículos sensacionalistas em troca de excessiva visibilidade, muitas vezes promovendo operações policiais espetaculosas.
Importante mesmo nessa história toda é que vários segmentos da sociedade começam a se mobilizar, principalmente nós jornalistas (mesmo tendo demorado) contra tamanho absurdo. Todos nós sabemos do verdadeiro papel da imprensa, muito diferente do que esses “colegas” se dispõem a apresentar.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A era dos inquisidores II

Chega de abusos!

Ufa! Demorou, mas finalmente foi iniciada uma reação de jornalistas e entidades da classe, que se espalha pelas redes sociais, contra o comportamento abusivo de “repórteres” de programas sensacionalistas, ao qual me referi no artigo intitulado “A era dos inquisidores”, postado no dia 15 de março deste ano. Parabéns a Marcos Russo, que escreveu no site Política Hoje o artigo “Jornalismo” e Polícia Civil pecam com os acusados na Bahia, e demais colegas que se manifestaram. 
O que faz essa menina da Band, atitude que gerou repúdio, na verdade não é novidade. Vários outros “repórteres” dão show de desrespeito contra pessoas detidas, muitas vezes apenas acusadas de algum crime. Tamanho é o absurdo que o tal do Mão Branca, em repetidas ocasiões passou a mão nas nádegas de presos, forçados a dar declarações, entre outras atitudes reprováveis. E isso ocorre, invariavelmente, dentro de delegacias, com a conivência de policiais.
Não vou me estender, pois já escrevi sobre esse triste assunto no artigo anterior. No mais, torço para que os amigos Ernesto Marques, presidente em exercício da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), e Marjorie Moura, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), realmente tomem uma posição firme para coibir essa prática nojenta. É importante também que a Polícia Civil combata a permissividade nas delegacias, fazendo cumprir a Portaria 113, de 26 de maio de 2008, que disciplina a divulgação de fatos relativos às suas ações.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A era dos inquisidores


Vi muita coisa que me indignou no jornalismo baiano, em especial na reportagem policial, ao longo dos meus vinte e tantos anos de profissão, principalmente com relação à linguagem desrespeitosa e chula utilizada por alguns profissionais e à publicação de fotos chocantes, a exemplo de corpos ensangüentados de vítimas de homicídios ou acidentes. Mas, no quesito desrespeito, ninguém nunca chegou tão longe como os atuais programas de TV sensacionalistas, com “repórteres”, verdadeiros inquisidores, agindo sem limites.  
Depois de atuar por alguns anos como repórter nos jornais Correio da Bahia e A Tarde, fui convidado a assumir a subeditoria de Polícia no Bahia Hoje, criado no início da década de 90. Naquele jornal, que infelizmente durou pouco, implantamos uma linha editorial diferente, dispensando o uso de termos pejorativos e desrespeitosos quando nos referíamos a pessoas presas pela polícia (muitas vezes inocentes) e com nossos fotógrafos orientados a registrar cenas de corpos e outras tão chocantes somente em segundo plano. Com o passar dos anos os demais jornais da cidade adotaram a mesma postura.

No entanto, enquanto o jornalismo impresso optava por uma linha mais ética, a mídia televisiva investia em programas sensacionalistas, buscando ganhar audiência com a exibição de cenas bizarras e uma performance, digamos, inadequada de seus “repórteres”.

Quase todos os dias assistimos esses profissionais enfiando o microfone nos rostos de pessoas detidas apenas sob suspeita de terem praticado algum delito, fazendo indagações descabidas e até tocando nos acusados. Não faz muito tempo um desses entrevistadores passou a mão nas nádegas de um dos presos, a quem insistentemente interrogava ao vivo. A sanha desses programas é tamanha, que desrespeitam até orientação da Justiça sobre a veiculação de imagens de adolescentes, mesmo de costas ou com os rostos preservados.

Na maioria das vezes, agem com a conivência de policiais, aos quais se referem como “guerreiros”, que, em troca de visibilidade midiática que lhes afaga o ego, permitem a livre atuação, seja na rua ou dentro de uma delegacia. E o pior é que não se tem feito nada para coibir prática tão absurda. Até quando vamos ter que aturar?

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

'Causos' de polícia 4

Caí de avião e virei notícia

(parte final)

 A principal curiosidade das pessoas que conversaram (ou ainda conversam) comigo sobre o acidente que sofri de avião é com relação ao que senti naquele instante. Muita gente já se referiu a um frio na coluna comum em situações de perigo, mas aquele era realmente como se fosse um frio de morte. E quase foi.
Além disso, sempre faço questão de destacar a coragem de Ana Valéria, única mulher da tripulação, que se negou a deixar o avião sem socorrer os pilotos, enquanto os demais só pensavam em sair dali (o que era natural), com receio de uma explosão.
A cabeça girava em alta velocidade, fazendo pensar nos familiares, principalmente nos filhos, no que sobraria do meu corpo caso sobrevivesse (sempre tive pavor de ficar cego ou aleijado) e sabe lá mais o quê...
A área que nos esperava lá em baixo era um cerrado, com pouca vegetação e raras árvores. Foi numa delas que o avião se chocou, destroçando parte de sua asa direta (bem do meu lado) e, em seguida, bateu de barriga por três vezes, ficando praticamente destruído. Acredito que não caiu de bico por perícia dos pilotos, manobra que salvou nossas vidas.
O choque só me causou leve ferimento no braço esquerdo e, ainda tonto, tentava me soltar do cinto de segurança quando a gasolina que se encontrava na tubulação do resto da asa entrou em combustão. As labaredas me atingiram bem no rosto e braços, só dando tempo para proteger os olhos com as mãos. Na poltrona do outro lado do avião, Ana Valéria era alcançada pelo fogo nos calcanhares, também sofrendo queimaduras.
Além de nós dois, o piloto Geovane sofreu lesões graves no rosto, tendo que, posteriormente, ser submetido à cirurgia, enquanto o copiloto Sérgio teve queimaduras em um dos braços e ferimento na cabeça. O restante da tripulação nada sofreu.
Quando consegui me livrar do cinto travado, fazendo verdadeiro contorcionismo, deparei-me cercado pelas ferragens do avião e envolvido no pânico que tomou conta dos demais passageiros. Até hoje não sei como “Bambam” conseguiu passar por uma pequena escotilha (atualmente está bem mais fininho), sendo seguido pelos demais colegas e pelo deputado.
Mesmo ferida, Ana Valéria dava uma demonstração de coragem e solidariedade, negando-se a sair sem antes socorrer os pilotos, que gemiam entre as ferragens. Mas nada se podia fazer.
Por sorte, operários que ocupavam um caminhão, que trafegava numa rodovia próxima ao local, viram o acidente e se dirigiram até lá, ajudando no resgate dos feridos, utilizando picaretas e outras ferramentas. Já fora do que restou do avião, eu e Ana caminhamos para a pista, onde pedimos ajuda e fomos conduzidos na parte de traseira de uma picape até o pronto-socorro de Bom Jesus da Lapa.
Sempre que relato o acidente, brinco que devo várias horas extras a meu Anjo de Guarda e a todos os Espíritos de Luz que nos protegeram naquele dia. E que dia!