quinta-feira, 20 de outubro de 2011

'Causos' de Polícia 1

O batismo do foca

Conheci Marcos Navarro em 1993, quando deixei o Jornal A Tarde, onde me tornei conhecido como repórter de polícia, para assumir o cargo de subeditor no Bahia Hoje, jornal que surgiu com a promessa de ter uma linha editorial independente e de pagar salários equivalentes aos do seu maior concorrente (pena que o sonho durou pouco). Logo percebi que o foca (repórter ainda inexperiente) tinha tudo para se tornar um grande profissional.
Exímio conhecedor da língua portuguesa, em pouco tempo começou a se destacar na reportagem (atualmente é editor em A Tarde).  Mas, como todo foca que se preza, e também por ser perfeccionista, demorava de vez em quando para liberar seus textos. Por conta disso, passei a chamá-lo de “Homem-Aranha”. Sempre que atrasávamos o fechamento das páginas de polícia, me aproximava cantarolando a música do desenho animado do super-herói: “Homem-Aranha, Homem-Aranha, aí vem o Homem-Aranha...)”. Boa praça, ele apenas sorria e pedia para eu parar com a brincadeira para que pudesse concluir o trabalho.
Um belo dia recebi um telefonema de um policial lotado numa delegacia situada na Estrada do Coco, denunciando que o delegado titular daquela unidade havia entocado cinco quilos de cocaína pura, apreendidos há cerca de 15 dias.
Então resolvi apurar a denúncia e liguei para o colega Chico Araújo, na época assessor de comunicação da Millennium (antiga Tibrás), porque a droga teria sido enterrada na área daquela petroquímica por um homem que transportava a “coca”, em um bugre, para o traficante Raimundão (que hoje cumpre pena no complexo penitenciário do Estado). Na verdade, o criminoso resolveu se livrar do carregamento porque mais à frente, na Linha Verde, tinha sido montada uma blitz. Pouco tempo depois, a cocaína foi encontrada e desenterrada por vigilantes da empresa e entregue na delegacia.
Confirmado o fato, pensei em mandar Marcos para apurar o caso. No entanto, refletindo melhor, achei que seria missão indigesta para um repórter recém-formado. Como já estava sentindo falta do trabalho de rua, resolvi acompanhá-lo e seguimos com o fotógrafo Valter Pontes para a delegacia. Lá chegamos rapidinho e, ao entrarmos, percebemos o olhar de apreensão de alguns investigadores. Em seguida, nos deparamos com o delegado em questão, que, com cara de poucos amigos e sem muita cerimônia, foi logo dizendo:
– O que você está fazendo aqui?
 Então, respondi:
– O que é isso, delegado! Está me desconhecendo? Como sempre, estou atrás de notícias.
– Aqui não tem nenhuma notícia, retrucou.
– Estou à procura de cinco quilos de cocaína, o senhor sabe onde posso encontrar?
– Não sei de droga nenhuma, vamos conversar na minha sala.
Lá ele me garantiu que aquilo não era verdade e me desafiou a provar a denúncia, sem imaginar que eu sabia até o número da ocorrência policial sobre a apreensão. De posse desse trunfo, pedi que me entregasse o livro de ocorrências. Aos gritos, o “delega” determinou a um dos seus policiais que atendesse ao meu pedido, e isso foi feito. A situação ficou mais delicada quando percebi que, sobre a ocorrência, havia outra folha, grampeada.
Naquele momento, Valter Pontes tentou fotografar o delegado, que reagiu imediatamente, ameaçando tomar a máquina fotográfica e nos prender. Navarro acompanhou a conversa com cara de assustado, sem fazer qualquer comentário. Diante da confirmação da denúncia, deixamos aquela CP rapidamente, para o alívio da equipe e, principalmente, de Marcos, que àquela altura já suava feito cuscuz. Só Deus sabe o que passou na cabeça dele naquele dia!
Chegando à redação, Marcos bateu a matéria com a versão apuradíssima dos fatos. Enquanto isso, a TV repetia a versão do delegado, que montou rapidamente o circo e chamou a imprensa para posar de bacana, apresentando a droga que estava escondida há uma quinzena na delegacia, dentro de um armário. O melhor é que conseguimos dar a história pulsante, muito bem contada, com a poeira das ruas. E o delegado? Terminou perdendo a titularidade.

3 comentários:

  1. Erival, gostei do arrojo inicial do seu blog, com "cutucadas", que pelo visto, tem um potencial jornalístico-policial, interessantíssimo.
    Sua estrada é bem pisada e, suas passadas são bem plantares.
    Jose Antonio F. Filho(pai de Tiago/Rafaela), policial, amante do Jornalismo sério, ético,verdadeiro, arrojado e audacioso, como o seu.
    Parabéns pelo blog.Siga em frente.

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  2. Wellington Nascimento27 de outubro de 2011 às 18:12

    Erival, a Chico o que é de Chico. O assessor era Chico Araújo, que também trabalhou em A Tarde, um grande jornalista que hoje é professor e coordena o portal noticioso Diga, Salvador: www.digasalvador.com.br. O nosso grande Chico Muniz, um dos melhores textos que já tivemos no jornalismo baiano, continua na assessoria de Comunicação da UFBa., onde ingressou como técnico administrativo em 1976, dois anos antes de entrar para a saudosa EBC, a "Escolinha surrealista", como bem definiu Ângela Peroba.

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  3. Valeu, Wellington. Cheguei a fazer a correção, mas provavelmente não salvei. Vou fazer isso agora. Um abraço.

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