quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Anedotário de polícia

           
 Burro não identificado

       
 Eu era o chefe do Copy-Desk da Tribuna, o que na Carteira Profissional era o pomposo nome de Editor de Texto. Era início dos anos 70, quando se datilografava em laudas timbradas com o nome do jornal e com espaços para o repórter colocar o seu nome, o assunto e a data.
Um burro foi atropelado e morto na Avenida Barros Reis. O repórter anotou a ocorrência, mas não se sabia quem era o dono do burro. Aí ele disparou na matéria: “Um burro até agora não identificado foi atropelado e morto ontem...”.
A matéria chegou até as mãos do redator-chefe, Quintino de Carvalho, que sempre tinha à mão um pincel atômico vermelho. Não deu outra: fez um círculo em torno da expressão “burro não identificado” e puxou uma seta até o espaço da lauda onde tinha o nome do repórter. E anotou: “Ainda não?”

    Chico Ribeiro Neto (ex-repórter e ex-editor de Texto da Tribuna da Bahia)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A era dos inquisidores III

Acho oportunas as medidas adotadas contra a “repórter” da Band, mas não podemos esperar que uma situação isolada possa moralizar todos os programas sensacionalistas que infestam as telinhas. É preciso que o Ministério Público adote providências também contra outros “repórteres” e emissoras, que há muito mais tempo agem de forma abusiva e desrespeitosa, inclusive, servindo de exemplo (mau exemplo) para novos profissionais.
É importante lembrar que os “repórteres” em questão atuam assim porque atendem orientação dos responsáveis dos programas e das empresas onde trabalham. Essas pessoas, inclusive os apresentadores, são os maiores culpados pelo triste quadro que se apresenta hoje, até porque ganham muito mais do que os incautos entrevistadores. Além disso, as emissoras não estão preocupadas com o nível dos programas e sim em manter o alto índice de audiência.
Na outra ponta do problema, a polícia também deve ser instada pelo Ministério Público para evitar que delegacias sejam utilizadas como picadeiro. Se os delegados que permitem essa palhaçada fossem punidos, a situação não teria chegado a tal ponto. É bom lembrar, que isso não é novo, pois já tivemos delegado eleito para cargo político exatamente por fazer a vontade de veículos sensacionalistas em troca de excessiva visibilidade, muitas vezes promovendo operações policiais espetaculosas.
Importante mesmo nessa história toda é que vários segmentos da sociedade começam a se mobilizar, principalmente nós jornalistas (mesmo tendo demorado) contra tamanho absurdo. Todos nós sabemos do verdadeiro papel da imprensa, muito diferente do que esses “colegas” se dispõem a apresentar.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A era dos inquisidores II

Chega de abusos!

Ufa! Demorou, mas finalmente foi iniciada uma reação de jornalistas e entidades da classe, que se espalha pelas redes sociais, contra o comportamento abusivo de “repórteres” de programas sensacionalistas, ao qual me referi no artigo intitulado “A era dos inquisidores”, postado no dia 15 de março deste ano. Parabéns a Marcos Russo, que escreveu no site Política Hoje o artigo “Jornalismo” e Polícia Civil pecam com os acusados na Bahia, e demais colegas que se manifestaram. 
O que faz essa menina da Band, atitude que gerou repúdio, na verdade não é novidade. Vários outros “repórteres” dão show de desrespeito contra pessoas detidas, muitas vezes apenas acusadas de algum crime. Tamanho é o absurdo que o tal do Mão Branca, em repetidas ocasiões passou a mão nas nádegas de presos, forçados a dar declarações, entre outras atitudes reprováveis. E isso ocorre, invariavelmente, dentro de delegacias, com a conivência de policiais.
Não vou me estender, pois já escrevi sobre esse triste assunto no artigo anterior. No mais, torço para que os amigos Ernesto Marques, presidente em exercício da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), e Marjorie Moura, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), realmente tomem uma posição firme para coibir essa prática nojenta. É importante também que a Polícia Civil combata a permissividade nas delegacias, fazendo cumprir a Portaria 113, de 26 de maio de 2008, que disciplina a divulgação de fatos relativos às suas ações.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A era dos inquisidores


Vi muita coisa que me indignou no jornalismo baiano, em especial na reportagem policial, ao longo dos meus vinte e tantos anos de profissão, principalmente com relação à linguagem desrespeitosa e chula utilizada por alguns profissionais e à publicação de fotos chocantes, a exemplo de corpos ensangüentados de vítimas de homicídios ou acidentes. Mas, no quesito desrespeito, ninguém nunca chegou tão longe como os atuais programas de TV sensacionalistas, com “repórteres”, verdadeiros inquisidores, agindo sem limites.  
Depois de atuar por alguns anos como repórter nos jornais Correio da Bahia e A Tarde, fui convidado a assumir a subeditoria de Polícia no Bahia Hoje, criado no início da década de 90. Naquele jornal, que infelizmente durou pouco, implantamos uma linha editorial diferente, dispensando o uso de termos pejorativos e desrespeitosos quando nos referíamos a pessoas presas pela polícia (muitas vezes inocentes) e com nossos fotógrafos orientados a registrar cenas de corpos e outras tão chocantes somente em segundo plano. Com o passar dos anos os demais jornais da cidade adotaram a mesma postura.

No entanto, enquanto o jornalismo impresso optava por uma linha mais ética, a mídia televisiva investia em programas sensacionalistas, buscando ganhar audiência com a exibição de cenas bizarras e uma performance, digamos, inadequada de seus “repórteres”.

Quase todos os dias assistimos esses profissionais enfiando o microfone nos rostos de pessoas detidas apenas sob suspeita de terem praticado algum delito, fazendo indagações descabidas e até tocando nos acusados. Não faz muito tempo um desses entrevistadores passou a mão nas nádegas de um dos presos, a quem insistentemente interrogava ao vivo. A sanha desses programas é tamanha, que desrespeitam até orientação da Justiça sobre a veiculação de imagens de adolescentes, mesmo de costas ou com os rostos preservados.

Na maioria das vezes, agem com a conivência de policiais, aos quais se referem como “guerreiros”, que, em troca de visibilidade midiática que lhes afaga o ego, permitem a livre atuação, seja na rua ou dentro de uma delegacia. E o pior é que não se tem feito nada para coibir prática tão absurda. Até quando vamos ter que aturar?