terça-feira, 6 de dezembro de 2011

'Causos' de polícia 4

Caí de avião e virei notícia

(parte final)

 A principal curiosidade das pessoas que conversaram (ou ainda conversam) comigo sobre o acidente que sofri de avião é com relação ao que senti naquele instante. Muita gente já se referiu a um frio na coluna comum em situações de perigo, mas aquele era realmente como se fosse um frio de morte. E quase foi.
Além disso, sempre faço questão de destacar a coragem de Ana Valéria, única mulher da tripulação, que se negou a deixar o avião sem socorrer os pilotos, enquanto os demais só pensavam em sair dali (o que era natural), com receio de uma explosão.
A cabeça girava em alta velocidade, fazendo pensar nos familiares, principalmente nos filhos, no que sobraria do meu corpo caso sobrevivesse (sempre tive pavor de ficar cego ou aleijado) e sabe lá mais o quê...
A área que nos esperava lá em baixo era um cerrado, com pouca vegetação e raras árvores. Foi numa delas que o avião se chocou, destroçando parte de sua asa direta (bem do meu lado) e, em seguida, bateu de barriga por três vezes, ficando praticamente destruído. Acredito que não caiu de bico por perícia dos pilotos, manobra que salvou nossas vidas.
O choque só me causou leve ferimento no braço esquerdo e, ainda tonto, tentava me soltar do cinto de segurança quando a gasolina que se encontrava na tubulação do resto da asa entrou em combustão. As labaredas me atingiram bem no rosto e braços, só dando tempo para proteger os olhos com as mãos. Na poltrona do outro lado do avião, Ana Valéria era alcançada pelo fogo nos calcanhares, também sofrendo queimaduras.
Além de nós dois, o piloto Geovane sofreu lesões graves no rosto, tendo que, posteriormente, ser submetido à cirurgia, enquanto o copiloto Sérgio teve queimaduras em um dos braços e ferimento na cabeça. O restante da tripulação nada sofreu.
Quando consegui me livrar do cinto travado, fazendo verdadeiro contorcionismo, deparei-me cercado pelas ferragens do avião e envolvido no pânico que tomou conta dos demais passageiros. Até hoje não sei como “Bambam” conseguiu passar por uma pequena escotilha (atualmente está bem mais fininho), sendo seguido pelos demais colegas e pelo deputado.
Mesmo ferida, Ana Valéria dava uma demonstração de coragem e solidariedade, negando-se a sair sem antes socorrer os pilotos, que gemiam entre as ferragens. Mas nada se podia fazer.
Por sorte, operários que ocupavam um caminhão, que trafegava numa rodovia próxima ao local, viram o acidente e se dirigiram até lá, ajudando no resgate dos feridos, utilizando picaretas e outras ferramentas. Já fora do que restou do avião, eu e Ana caminhamos para a pista, onde pedimos ajuda e fomos conduzidos na parte de traseira de uma picape até o pronto-socorro de Bom Jesus da Lapa.
Sempre que relato o acidente, brinco que devo várias horas extras a meu Anjo de Guarda e a todos os Espíritos de Luz que nos protegeram naquele dia. E que dia!



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Anedotário de polícia 2

Viatura à paisana

Essa aconteceu no Correio da Bahia, quando ainda era na Avenida Paralela. Um repórter aloprado que trabalhava comigo, obviamente na Editoria de Polícia, muito conhecido pelas suas noitadas extravagantes, ainda sob o efeito dos “docinhos” que costumava provar com freqüência, escreveu numa de suas matérias do dia que os policiais estavam numa “viatura à paisana”. Eu já tinha passado três outras matérias dele que me deram muito trabalho e, diante dessa pérola, desabafei: “Companheiro, viatura à paisana é a PQP”. Dizem que o caro colega está mais plantado e que comenta que se a experiência na Editoria de Polícia fosse hoje ele seria um grande repórter. Acreditem!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Anedotário de polícia 1

‘Jeguecídio’


O episódio muita gente já conhece, mas não poderia inaugurar essa coluna com outra história. Aconteceu no final da década de 70, num programa ao vivo da Rádio Excelsior, quando o radialista em questão, que viria a se tornar folclórico repórter de polícia da Tribuna da Bahia, apresentou matéria sobre a morte de um jegue, abatido a tiros. Acostumado a casos de homicídios (ação de matar um ser humano), deduziu que se tratava de um “jeguecídio”, imaginem!  Até hoje o caso é citado nas redações e em faculdades de jornalismo.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

'Causos' de polícia 4


Caí de avião e virei notícia

(Parte 2)

Quatro da manhã o carro do jornal me pegou em casa e, em poucos minutos, já estava no aeroporto. Pilotado por Geovane e tendo Sérgio como copiloto, o bimotor nos levaria até Correntina, numa viagem sem maiores problemas.
Além da equipe do Correio (eu e o fotógrafo Luís Hermano), viajaram o deputado José Rocha, a repórter da TV Bahia Ana Valéria e os cinegrafistas Robson Melo e Alberto Luciano Valente, conhecido pelos colegas de trabalho como  “Babam”.
Quando chegamos à Correntina logo percebemos um pesado clima, de tristeza e de dor, como não poderia ser diferente, pois todas as vítimas moravam naquele longínquo município do Oeste baiano, mais próximo do Distrito Federal do que de Salvador.
Como sempre ocorre em coberturas de sepultamentos ou em locais de crime, naquele dia foi difícil realizar a reportagem, pois o sofrimento das pessoas estava presente em suas faces. Perguntar o quê ?
No começo da tarde, após almoçarmos, iniciamos a viagem de volta, longe de imaginar o que nos esperava. Depois de algum tempo (chovia um pouco), descemos para reabastecer em Bom Jesus da Lapa, cidade que viria a ser palco da nossa agonia. Quase todos deixaram o bimotor, mas preferi não tomar chuva e fiquei no meu canto.
O piloto e o copiloto então retornaram e percebi que estavam tendo dificuldades para fazer o avião funcionar. “Temos que viajar logo, pois o pessoal da TV tem que botar a matéria no ar”, disse Geovane para Sérgio. Confesso que fiquei meio apreensivo ao ouvir isso, mas, em seguida, o avião pegou e os demais passageiros foram chamados a seguir viagem.
Minutos depois, iniciava nosso desespero. Eu rabiscava minha matéria num bloco de anotações, quando o bimotor perdeu força ao atingir uma grande bolsa de ar – fenômeno que os aeronautas chamam de “tesouro de vento” – e começou a despencar, de bico. Da janela ao meu lado esquerdo (viajava sentado na poltrona ao fundo do assento do copiloto), pude ver o chão se aproximar e o pensamento que invadiu minha cabeça deve ter sido igual aos dos demais tripulantes: “vamos morrer”.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

'Causos' de polícia 4

Caí de avião e virei notícia

  (Parte I)

Tarde de 27 de janeiro de 1989. Nunca vou esquecer aquele dia.  Retornava de Correntina, quase mil quilômetros de Salvador, quando o avião se desgovernou e caiu a cerca de 200 metros de altura. Pela primeira vez na minha vida profissional deixei de produzir para me tornar notícia. E nacional.
Graças a Deus, eu e os outros sete passageiros de um bimotor da Abaeté Táxi Aéreo conseguimos sobreviver. Nunca fui de acreditar em milagres, mas, como sempre digo ao comentar sobre este acidente, devo muitas horas extras a meu anjo da guarda!
Na noite anterior, ao retornar à redação do Correio da Bahia de mais uma jornada na reportagem policial, fui informado pela chefe de reportagem, Diva Maria, que deveria estar no aeroporto bem cedinho e seguir para Correntina, onde deveria cobrir a chegava de 17 corpos de moradores daquela cidade – transportados por um avião da FAB – que morreram em Brasília, onde o caminhão “pau de arara” em que viajavam se envolveu numa colisão.
Carregado de um monte de bugigangas, inclusive botijões de gás e outros produtos inflamáveis, o veículo pegou fogo e quase todas as pessoas que transportava foram consumidas pelas chamas.
Naquela época, só eu e minha querida Ana Paula Ramos (hoje, em A Tarde) éramos repórteres especiais no Correio. Ela chegou a ser escalada para realizar a matéria, mas, grávida de três meses da primeira filha (Mariana), acabou dispensada diante da longa viagem. Essa missão, que viria a ser a mais espinhosa da minha vida de repórter, acabou sobrando para mim. Poderia ter passado sem essa!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Viva o bom jornalismo

O descontentamento com o jornalismo praticado nos dias de hoje, principalmente na área de segurança, foi o principal motivo para que eu aderisse à chamada mídia eletrônica e que resultou na criação deste blog. A gota d’água foi o sensacionalismo exposto em torno de um grupo de criminosos, com atuação no Recôncavo e, em especial na cidade de Cachoeira, que se intitulou com uma sigla semelhante ao PCC, organização criminosa de São Paulo.
Ainda bem que prevaleceu o bom senso, ficando claro que os bandidinhos do nosso histórico município estavam anos luz longe do poderio da facção paulista.
Ontem, procurado por alguns colegas para repercutir matéria de O Globo sobre a investigação realizada pelo Ministério Público referente à existência de milícias em, pelo menos, dez estados do país, imaginei: “lá vem bomba”.
Como de costume, muitos sites rapidamente reproduziram o assunto, dando uma pitadinha a mais de veneno, como se a Bahia vivesse situação semelhante à do Rio de Janeiro. Mas, para minha felicidade, não tanto como assessor da SSP, muito mais como jornalista das antigas, o jornalismo impresso deu um show de imparcialidade e compromisso com a verdade. Parabéns para os repórteres Fábio Bittencourt (A Tarde) e Silvana Blesa (Tribuna da Bahia).
Verdadeira repórter de Polícia, Silvana fez matéria didática, esclarecedora, mostrando que, no sentido genérico da palavra, pode ser considerado milícia um agrupamento de pessoas que faz segurança clandestina ou que controla o transporte clandestino em determinados bairros de Salvador, liderado por policiais ou ex-policiais militares.
No entanto, em nenhum momento, afirma que aqui existem grupos milicianos com o controle amplo de favelas ou invasões, inclusive dominando o comércio de gás e TV a cabo, dentre outros serviços.
Portanto, fico, realmente, feliz com a prática do bom jornalismo e a existência de profissionais com sangue de jornalista de verdade correndo nas veias. Quando isso ocorre não existe linha editorial que consiga desvirtuar o trabalho.  

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

'Causos' de Polícia 3

A bola e o bicho

Quando menino não tive toda a liberdade que desejava, mas fui um garoto que conhecia as ruas, jogava gude, fura-pé, empinava arraia (pipa, como dizem os sulistas) e, principalmente, pegava muito baba, ao contrário da maioria da gurizada de hoje, que dedica quase todo o tempo à internet. Naquele época, nem imaginava que um dia seria jornalista e que a paixão pela bola iria ter influência marcante na minha vida profissional.
No começo, antes dos 10 anos de idade, contentava-me em apreciar do muro da minha casa, os meninos maiores jogando futebol na Rua 20 de Agosto (ainda sem asfalto), no Pau Miúdo, onde meu pai herdou um casarão do meu avô e lá moramos por alguns anos. Ainda novinho, descobri que a bola era uma figura democrática e logo tomei coragem para aplicar dribles desconcertantes em dona Eridan (minha mãe), que me aplicava marcação impiedosa para impedir que me misturasse “àquela molecada”, como definia de forma pejorativa.
Essa característica da mais famosa redondinha do planeta – que não escolhe coadjuvantes do seu espetáculo por classe social, diploma, religião ou etnia, e sim pelo fino trato de quem a ela possa dispensar, seja um vendedor de pastel ou qualquer outro garoto pobre – é que facilitou meu trabalho durante algumas das principais reportagens, especialmente sobre a máfia do jogo do bicho na Bahia.
“Você não é aquele menino magrelo que morava em Macaúbas e jogava com o pé esquerdo?”, com perguntas como essa muitas vezes fui reconhecido por seguranças da contravenção que, com certo orgulho, se aproximavam do jornalista para relembrar bons tempos, quando jogávamos bola no campo da invasão do Péla Porco (incrustada entre o Barbalho e a Sete Portas), no Beco do Cirilo (Estrada da Rainha), ou no campo do Tejo (Iapi), dentre tantos outros.
Graças a alguns companheiros de bola, tive informações exclusivas que me proporcionaram furos de reportagem. Num belo dia, um deles ligou para a redação de A Tarde e me revelou: “Jaci é a bola da vez”. Ele se referia a Jaciara Pereira Brito, viúva do idealizador da Roleta Grande Salvador (dissidência da poderosa Paratodos), Luís Carlos Teles Silva, o “Luisinho”, assassinado em 11 de outubro de 1991, ao parar numa sinaleira da Rótula do Abacaxi. Em dois anos a Roleta teve um crescimento surpreendente, daí ter se iniciado uma verdadeira guerra, que só acabou com o seu extermínio.
A decisão para matar Jaci teria sido anunciada pelo bicheiro conhecido como Turcão, integrante da máfia carioca, capitaneada por ele e pelo famoso Castor de Andrade, durante almoço numa churrascaria localizada na orla de Salvador, com bicheiros baianos. De posse da valiosa informação, resolvi procurá-la. Então, mantive contato com um dos seus seguranças e revelei a intenção de entrar na fortaleza da viúva, localizada no Largo do Tanque. Ele relutou, mas acabou aceitando me ajudar em nome dos nossos tempos de boleiro. Disse que largaria o trabalho às 16 horas daquele dia e que deixaria a porta encostada, mas advertiu que eu não deveria nem olhar para ele quando me aproximasse.
Ao ter acesso ao local, tomei logo um susto, pois um policial da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos que me conhecia estava sentado em uma cadeira escorada na parede de frente para a porta, com uma escopeta nas mãos. Ao me avistar também ficou assustado, mas aí outras pessoas ligadas ao jogo me cercaram e tive que me identificar, anunciando a intenção de falar com a bicheira.
O primeiro contato com ela (naturalmente avessa à imprensa) foi um pouco áspero, mas, com a intervenção de cunhados que liam matérias minhas sobre o jogo do bicho, aceitou conversar. Expus o que sabia, revelando até alguns detalhes sobre o almoço onde fora decidida sua sorte e, mesmo meio apavorada, decidiu enfrentar os mafiosos, além de acatar minha sugestão de marcar uma coletiva para o dia seguinte e denunciar o plano para sua eliminação. Isso foi feito e a entrevista aconteceu, com toda a mídia presente, estando a maioria dos repórteres com um exemplar do jornal A Tarde nas mãos, com a seguinte manchete: “Viúva desafia a máfia do bicho”.
Poucos dias depois, numa verdadeira operação policial, o Largo do Tanque foi cercado por viaturas, que acompanhavam os mafiosos conduzidos em carros pretos luxuosos a caminho da fortaleza. Ali, deram o ultimato: “Deixe o jogo ou morre”. E Jaci deixou o jogo. Anos mais tarde, quando produzia matéria especial intitulada “Bicho Solto” (publicada em 19 de novembro de 2006), para o emblemático caderno “Correio Repórter”, uma das melhores criações do jornalismo impresso baiano, tentei localizá-la, mas sem sucesso. Algumas pessoas me informaram que teria voltado a trabalhar na contravenção, fazendo jogo para a Paratodos. Infelizmente, não consegui mais encontrá-la. Quem sabe um dia...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

'Causos' de Polícia 2

Um homem sem alma
 
Era início do turno vespertino quando cheguei à redação de A Tarde para mais uma jornada de trabalho, longe de imaginar que naquele dia viveria emoção incomum, mesmo estando acostumado a fortes sentimentos, lidando com o sofrimento alheio, a dor e inúmeros casos de morte, na difícil rotina de repórter policial. Quando me preparava para sair do jornal à caça de notícias, um contínuo me avisou que um homem me aguardava na antessala da antiga Redação, que se localizava em frente ao arquivo, onde trabalhavam os amigos Renato, Waldir e o jovem Cristovaldo, este companheiro de babas que morreu precocemente.
Saí para averiguar do que se tratava e me deparei com um homem de olhar profundamente triste, evidenciando que carregava dor insuportável. Era Teófanes de Azevedo Farias, pai do jovem Teófanes Melo Farias, assassinado aos 20 anos de idade, dentro do Silver Shopping, no Imbuí, de forma fria e brutal, com um tiro no rosto, à queima-roupa (pasmem!), disparado por um major do Exército Brasileiro.
Naquele dia, militares foram ao shopping comemorar o aniversário de um deles, tendo cruzado com a vítima e alguns amigos, inclusive duas adolescentes, próximo à escadaria daquele centro comercial, quando o major proferiu gracejos às meninas. Indignados, os rapazes que as acompanhavam resolveram tirar satisfações e o clima ficou tenso. Mais comedido, Teófanes resolveu acalmar os ânimos. Sua atitude teria sido, entretanto, mal interpretada pelo major, que pediu a pistola de um sargento que estava com os oficiais e a disparou contra ele sem pensar duas vezes.
“Seu” Teófanes foi me procurar seguindo sugestão da jornalista Lívia Calmon, na época repórter da TV Bahia, que presenciou uma das audiências do Conselho Federal de Justiça designado para apurar o crime. Formava o júri cinco (se não me engano) oficiais militares de alto escalão e o juiz Rogério de Castro e Azambuja, que presidia os trabalhos, realizados na 6ª Circunscrição Judiciária Militar, onde os acusados eram lotados, situada na Avenida Paralela.
“Ela disse que você gostava de apurar esses casos e que poderia me ajudar”, me falou aquele homem que parecia sem alma, tamanha angústia, numa tentativa desesperada de conquistar um aliado em sua jornada por justiça, o que poderia lhe proporcionar, ao menos, um pequeno consolo.
Em seguida, me contou que, durante as audiências, os militares sorriam debochadamente e fitavam as testemunhas e demais presentes com ar intimidador. Esperava que eu pudesse fazer matérias contundentes, com a esperança de sensibilizar os jurados e obter punição para os acusados.
Prometi ajudá-lo desde que o colega de A Tarde que acompanhava o caso, Clécio Max, não se incomodasse em me “passar a bola”, o que acabou acontecendo. O primeiro passo foi me credenciar para cobrir a próxima audiência, para onde segui com o fotógrafo Geraldo Ataíde. Antes, porém, o orientei a registrar todas as emoções dos militares a serem ouvidos, clicando freneticamente sua câmera.
E assim ele fez nas últimas audiências, provocando irritação aos acusados toda vez que debochavam ou quando fitavam os presentes à oitiva. Enquanto isso, um soldado me acompanhava bem de perto, tentando me intimidar de forma acintosa.
Durante os trabalhos percebi que faltavam depoimentos mais firmes por partes das testemunhas e convenci um casal de amigos da vítima a depor, mesmo contrariando orientação dos pais, que os proibiram de envolvimento no caso. Depois de muita argumentação, inclusive de que a vítima poderia ter sido um deles, os jovens resolveram contar tudo que viram, deixando claro que se tratou de um crime covarde.
Mesmo assim não me dei por satisfeito, por não acreditar na imparcialidade dos jurados, quase todos colegas dos criminosos. Resolvi ter uma conversa olho no olho com Azambuja, o jovem juiz federal que presidia o inquérito. Para minha surpresa, ele me revelou a disposição de condenar  todos.
E não deu outra! O major assassino foi condenado a alguns anos de prisão, enquanto os demais oficiais acabaram reformados. Não tenho idéia do sentimento que o resultado do julgamento provocou em “Seu” Teófanes, pois nunca mais estive com ele. Eu o vi pela última vez, de longe, no final do julgamento, quando, cabisbaixo, deixava aquela Circunscrição Judiciária Militar. Como pai, imagino que hoje, se vivo estiver, mesmo aliviado pela força do tempo, ainda carrega no peito a dor da perda do filho.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

'Causos' de Polícia 1

O batismo do foca

Conheci Marcos Navarro em 1993, quando deixei o Jornal A Tarde, onde me tornei conhecido como repórter de polícia, para assumir o cargo de subeditor no Bahia Hoje, jornal que surgiu com a promessa de ter uma linha editorial independente e de pagar salários equivalentes aos do seu maior concorrente (pena que o sonho durou pouco). Logo percebi que o foca (repórter ainda inexperiente) tinha tudo para se tornar um grande profissional.
Exímio conhecedor da língua portuguesa, em pouco tempo começou a se destacar na reportagem (atualmente é editor em A Tarde).  Mas, como todo foca que se preza, e também por ser perfeccionista, demorava de vez em quando para liberar seus textos. Por conta disso, passei a chamá-lo de “Homem-Aranha”. Sempre que atrasávamos o fechamento das páginas de polícia, me aproximava cantarolando a música do desenho animado do super-herói: “Homem-Aranha, Homem-Aranha, aí vem o Homem-Aranha...)”. Boa praça, ele apenas sorria e pedia para eu parar com a brincadeira para que pudesse concluir o trabalho.
Um belo dia recebi um telefonema de um policial lotado numa delegacia situada na Estrada do Coco, denunciando que o delegado titular daquela unidade havia entocado cinco quilos de cocaína pura, apreendidos há cerca de 15 dias.
Então resolvi apurar a denúncia e liguei para o colega Chico Araújo, na época assessor de comunicação da Millennium (antiga Tibrás), porque a droga teria sido enterrada na área daquela petroquímica por um homem que transportava a “coca”, em um bugre, para o traficante Raimundão (que hoje cumpre pena no complexo penitenciário do Estado). Na verdade, o criminoso resolveu se livrar do carregamento porque mais à frente, na Linha Verde, tinha sido montada uma blitz. Pouco tempo depois, a cocaína foi encontrada e desenterrada por vigilantes da empresa e entregue na delegacia.
Confirmado o fato, pensei em mandar Marcos para apurar o caso. No entanto, refletindo melhor, achei que seria missão indigesta para um repórter recém-formado. Como já estava sentindo falta do trabalho de rua, resolvi acompanhá-lo e seguimos com o fotógrafo Valter Pontes para a delegacia. Lá chegamos rapidinho e, ao entrarmos, percebemos o olhar de apreensão de alguns investigadores. Em seguida, nos deparamos com o delegado em questão, que, com cara de poucos amigos e sem muita cerimônia, foi logo dizendo:
– O que você está fazendo aqui?
 Então, respondi:
– O que é isso, delegado! Está me desconhecendo? Como sempre, estou atrás de notícias.
– Aqui não tem nenhuma notícia, retrucou.
– Estou à procura de cinco quilos de cocaína, o senhor sabe onde posso encontrar?
– Não sei de droga nenhuma, vamos conversar na minha sala.
Lá ele me garantiu que aquilo não era verdade e me desafiou a provar a denúncia, sem imaginar que eu sabia até o número da ocorrência policial sobre a apreensão. De posse desse trunfo, pedi que me entregasse o livro de ocorrências. Aos gritos, o “delega” determinou a um dos seus policiais que atendesse ao meu pedido, e isso foi feito. A situação ficou mais delicada quando percebi que, sobre a ocorrência, havia outra folha, grampeada.
Naquele momento, Valter Pontes tentou fotografar o delegado, que reagiu imediatamente, ameaçando tomar a máquina fotográfica e nos prender. Navarro acompanhou a conversa com cara de assustado, sem fazer qualquer comentário. Diante da confirmação da denúncia, deixamos aquela CP rapidamente, para o alívio da equipe e, principalmente, de Marcos, que àquela altura já suava feito cuscuz. Só Deus sabe o que passou na cabeça dele naquele dia!
Chegando à redação, Marcos bateu a matéria com a versão apuradíssima dos fatos. Enquanto isso, a TV repetia a versão do delegado, que montou rapidamente o circo e chamou a imprensa para posar de bacana, apresentando a droga que estava escondida há uma quinzena na delegacia, dentro de um armário. O melhor é que conseguimos dar a história pulsante, muito bem contada, com a poeira das ruas. E o delegado? Terminou perdendo a titularidade.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Felicidade compartilhada


Sempre afirmo para os colegas mais chegados que há muito tempo superei a fase da exagerada vaidade, de quando comecei a me destacar como repórter de polícia, na minha passagem pelo A Tarde, nos idos da década de 90, principalmente com a produção de matérias especiais sobre o jogo do bicho e o tráfico de drogas. Mas confesso que estou muito feliz com o resultado obtido com nosso blog, que, em sete dias de inaugurado, superou a marca de 1.100 visitas.
Pode ser um número modesto em comparação a outros blogs, entretanto isto é importante por ser a primeira vez que faço uso da mídia eletrônica – por mim, muitas vezes criticada pela forma como é utilizada – para postar histórias da minha vida como repórter e desabafos sobre coisas do chamado “jornalismo moderno”. Sinceramente não esperava tantos seguidores e fico satisfeito que inúmeros colegas tenham esta mesma preocupação.
Acho que podemos ir além e combater de forma mais efetiva as práticas de hoje que destoam do que aprendemos ser o bom jornalismo. Portanto, divido com vocês e demais amigos que visitam nosso blog Jornalismo das Antigas essa felicidade. Um abraço.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Impossível não ter saudade



Caro amigo Pablo Reis, não foi possível ser mais sucinto.  Você me transportou para o passado e o saudosismo transformou o que seria um simples comentário em mais um artigo. Mas acho que valeu a pena

Agradeço aos elogios e tenha a certeza de que a recíproca é verdadeira. Acompanhei seu início de carreira no antigo Correio da Bahia (que saudade!) e logo percebi que se tratava de profissional ético e talentoso, previsão comprovada em seguida com a conquista de vários prêmios (só não supera o imbatível Elieser César) e o respeito de todos os colegas. Fico feliz de ter tido a oportunidade de conhecer profissionais como você, Casé, Perla, Alexandre Lyrio, o folclórico Zezão, Regina Bochicchio, Zé Raimundo e os “perdigueiros” que trabalharam diretamente comigo na Editoria de Segurança Helga Cirino (minha querida Baixinha) e Marcelo Brandão, entre outros mais que posso defini-los como amigos para sempre.
Nossa equipe do Correio da Bahia era fantástica. No famoso anexotan – anexo da redação, também conhecido como Carandiru, travavámos conversas e discussões interessantes, inclusive sobre alguns temas referentes à  profissão que me incomodam até hoje, como a falta de ética, de "desconfiômetro", a linguagem desrespeitosa utilizada por alguns veículos e tantas outras coisas. Que bom que vocês existem, pois isso me dá a certeza de que a luta travada por alguns jornalistas "das antigas", não será em vão. Só para recordamos um pouco, lembra quando criei a coluna À Queima Roupa?  que depois se tornou o blog alimentado por nossa amiga Jaci (Diabos, não consigo escrever um texto sem citar essa criatura) com o talento que lhe é peculiar. Na oportunidade fizemos uma enquete para a escolha do nome e por pouco não foi batizada como "Na Mira", sugestão da própria Jaci. Lembra?
Mas, deixando o saudosismo de lado, vamos aos seus questionamentos relacionados à minha idéia sobre o PCI, os quais me sinto muito à vontade para responder, não como assessor de Comunicação social da SSP, mas pelo conhecimento de causa que adquiri ao longo de mais de 20 anos dedicados à reportagem policial. Como no futebol, um bom crítico conhece um craque ou um perna de pau "no arriar das malas", no entender do saudoso técnico baiano Sotero Monteiro. Poderia levar horas falando sobre minhas convicções, entretanto vou tentar ser sucinto e apenas responderei às duas supostas contradições que apresentou.
Bom, vamos lá: o tal chefão do PCI não foi parar no Baralho do Crime por ser considerado altamente perigoso e sim para que fosse logo preso, como aconteceu, já que essa nova ferramenta se tornou muito eficiente, graças à participação popular, através de denúncia. Também  para que chegasse a um ponto final a novela criada em torno de sua figura.
 Quanto ao outro item, considero normal o número de policiais que participaram da operação para desarticular a quadrilha. Como repórter,  acompanhei dezenas de ações como esta, com a utilização de efetivo policial bem maior. Mais recentemente, como Editor de Polícia, por exemplo, coordenei de perto minha equipe de reportagem na operação que resultou na prisão do traficante Leno, na Baixa do Soronha  (em Itapuã),  na ação para desbancar o grupo do mafioso Perna,  que ditava crimes audaciosos do interior do complexo penitenciário,  e, nos últimos meses, operações para prender quadrilhas de assaltantes de bancos e caixas eletrônicos, que contaram com a participação de dezenas de policiais.
 Portanto, como pode ver, se você realmente confia no meu taco, não existem contradições. Estranha foi a operação realizada pela autoridade por você citada, o evangélico delegado titular de Cachoeira, que saiu acompanhado de apenas um investigador, numa verdadeira cruzada santa para capturar os bandidos em questão, liderados por um ser de “corpo fechado”.  
Acredito que se trata de um homem bem intencionado, mas com convicções meio confusas. Nós sabemos muito bem que em praticamente todas as profissões existem pessoas influenciadas por variados fatores perturbadores, como, por exemplo, o fanatismo religioso. Não posso garantir ser esse o caso, mas não dá para negar que ele adora aparecer na mídia.
Finalizando, claro que sei que não foi um "foca maroto", que grafou a sigla PCI em muros de Cachoeira e que qualquer bando pode se intitular como quiser. Mas, cabe aos veículos de comunicação reproduzir esse fato de forma responsável, deixando claro que não existe nenhuma ligação ou semelhança com o poderoso PCC paulista, evitando causar pânico injustificado.
Um grande abraço.